Expresso (9 de Outubro 2010)
O desfile televisivo de economistas-comentadores que nos vendem certezas tonitruantes chega a ser desesperante. Varia no grau do radicalismo: devia ser pior ou assim é suficiente; veio tarde de mais ou agora era o tempo. Varia no estilo, que pode ir do populismo desvairado de Medina Carreira às banalidades de Cantigas Esteves. Mas todos os dias, todas as horas, temos direito a este redundante massacre. Massacre que os comentadores-leigos repetem, mais por preguiça do que por convicção.
Este sequestro do debate político não resulta de uma conspiração. Resulta, antes de mais, do assalto das correntes neoliberais à Academia. Os economistas realistas (sim, utópico é pensar que se recupera com recessão) foram quase banidos da Universidade portuguesa. Os estudantes estão limitados aos manuais do "sobe e desce" e a um dogmatismo ideológico comparável aos tempos em que a vulgata marxista tomou conta da Universidade. Com uma diferença de fundo: a Academia deixou de ser um espaço autónomo do poder económico para se transformar no seu prolongamento. A ideia de que a escola deve estar ao serviço das empresas, e não de toda a comunidade, comprou a inteligência.
Aconteceu exatamente o mesmo com a comunicação social. Com a redução do poder das redações e a crescente proletarização dos jornalistas, qualquer sinal de espírito crítico foi aniquilado. Mesmo que um jornalista tenha dúvidas, a ideologia dominante impõe-se, legitimada que está por todos os poderes: o académico, o económico e o político. Esse consenso foi rompido por uns meses, aquando do subprime e da crise da banca. Mas as tropas de choque reagruparam-se. Quem é que se lembra da urgência em disciplinar os mercados financeiros? Agora a palavra de ordem é emagrecer o Estado.
A coisa tornou-se de tal forma pornográfica que, esta semana, um grupo de cidadãos lançou uma petição "Pelo pluralismo de opinião no debate político e económico" na comunicação social. Assinei sem esperança. O processo de comercialização de todos os focos de informação torna impossível qualquer debate mediático justo. Resta usar os instrumentos alternativos que a tecnologia nos oferece. Para ler, por exemplo, um longo e fundamentado documento redigido por um grupo de académicos franceses que foge da linha obrigatória ("Manifesto dos Economistas Aterrorizados", que pode ser encontrado na Net em português). Nas televisões, apenas podemos ver propaganda. A que se bate por este processo de engenharia social, que usa a crise provocada pelos especuladores financeiros para arrasar o Estado social e reduzir os custos do trabalho. Poucas ditaduras conseguiram ser tão eficazes no silenciamento da divergência.
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