Aparelho de Estado (Expresso online, 12 de Outubro 2010)
Permitam-me começar com uma declaração de interesses: vou falar de um assunto que deu azo a uma petição da qual sou um dos primeiros subscritores. Talvez devesse deixar isso para outros, mas não resisto a trazer aqui o eco da iniciativa uma vez que a petição - pelo pluralismo no debate político-económico - trata precisamente do silenciamento de determinadas posições no espaço público.
O fenómeno é antigo mas em determinadas alturas tem atingido picos muito notórios. A última foi despoletada pelo anúncio das medidas já conhecidas como PEC III, e que levou os meios de comunicação social a mobilizarem todo um naipe de comentadores e especialistas para procederem à respectiva análise. Alguns deles aparecem com frequência em vários canais televisivos e quase todos repetem, com pequenas diferenças, o discurso acerca da inevitabilidade das políticas de austeridade. Não faltam mesmo ex-ministros das finanças e da economia que, apagando-se da história, falam como se não tivessem deixado a sua pegada ecológica no país (e na Europa). A presença desta ortodoxia é de tal forma abafante que um empresário como Henrique Neto acaba por aparecer nesses painéis como uma espécie de esquerdista desgarrado.
Daniel Oliveira também se referiu ao tema na sua crónica semanal no Expresso, chamando apropriadamente de "compressor" a este condicionamento ideológico em curso. Nota que ele se conecta com a tomada em força dos departamentos de economia das universidades pelo neoliberalismo e com o eclipse do jornalismo de investigação. Tudo isto é verdade, com a agravante de existirem vozes a contracorrente que são sistematicamente colocadas à margem dos meios de comunicação de massas. Basta frequentar um blogue como o Ladrões de Bicicletas ou ler as edições mensais do Le Monde Diplomatique em português para encontrarmos economistas, e não só, que teimam em problematizar os caminhos que vêm sendo percorridos, em analisar as razões da crise em que estamos mergulhados ou em criticar a injusta repartição dos sacrifícios exigidos.
Não há democracia sem debate. Era bom que neste campo concreto se começasse efectivamente a dar lugar ao contraditório. Poderíamos começar pela rádio e pela televisão pública. Quem sabe o resto não viria de arrasto.
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