sábado, 30 de outubro de 2010

Comunicado de Imprensa (2)

Preocupados com os termos em que tem sido realizada a discussão mediática das opções económicas do país, um conjunto de cidadãos aderiu à Petição pelo pluralismo de opinião no debate político-económico, cujo conteúdo e lista de signatários se envia em anexo.
Lançada a 5 de Outubro de 2010, a petição reuniu mais de 1000 assinaturas na primeira semana, dando assim eco à percepção da existência de um discurso tendencialmente monolítico e redundante no comentário político-económico, tanto em espaços noticiosos como em programas específicos de análise económica. Situação que se revela particularmente expressiva nos canais televisivos, que constituem os meios de comunicação de massas por excelência.
Perante a situação em que o país se encontra, os peticionários consideram que este estreitamento dos termos do debate empobrece de modo muito preocupante a discussão pública das opções em jogo, não espelhando o debate entre diferentes correntes, que atravessa o próprio pensamento económico. Trata-se, por isso, de uma limitação no acesso da opinião pública a visões plurais sobre a actualidade económica, que nega o papel intrínseco de intermediação dos meios de comunicação social.
A petição foi subscrita por personalidades de diversas áreas, da Economia ao Jornalismo, das Artes ao mundo académico. Entre os promotores e peticionários constam André Freire, António Pinho Vargas, Cláudio Teixeira, Daniel Oliveira, Diana Andringa, Isabel do Carmo, Joana Amaral Dias, Joana Lopes, João Galamba, João Rodrigues, José Leitão, José Manuel Pureza, José Maria Castro Caldas, José Reis, Luís Salgado de Matos, Luísa Costa Gomes, Maria Manuela Cruzeiro, Mário Brochado Coelho, Miguel Cardina, Nuno Serra, Paula Godinho, Raimundo Narciso, Rui Bebiano, Rui Tavares, Sandra Monteiro e Vítor Dias.
Exigindo o pluralismo de opinião no debate político económico nos meios de comunicação social, a petição foi remetida às direcções de informação dos diferentes canais de televisão, a responsáveis por programas de análise político-económica e aos meios de comunicação social em geral, sendo igualmente dado conhecimento da mesma aos Grupos Parlamentares e à Alta Autoridade para a Comunicação Social (ERC).

Lisboa, 30 de Outubro de 2010

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

«os economistas»

Por Nuno Serra
Ladrões de Bicicletas

RTP1, Telejornal, 20.37h. Depois de dissecar a não consumação do acordo entre o Governo e o PSD relativamente ao Orçamento de Estado, José Rodrigues dos Santos (minuto 37 do vídeo) refere que “a ruptura entre o PSD e o governo foi mal recebida pelos economistas”, anunciando assim uma peça com entrevistas a Ferraz da Costa (antigo presidente da CIP), João Salgueiro (ex-presidente da Associação Portuguesa de Bancos), Fernando Ulrich (Presidente do BPI) e Mira Amaral (ministro nos governos de Cavaco Silva).
Estava dada, nos termos em que José Rodrigues dos Santos apresentou o conjunto de entrevistas, a opinião de «os economistas», que o jornalista sintetizaria – perante as questões colocadas – no facto de estes acharem ser “preferível um orçamento adequado e eficaz do que um documento aprovado a qualquer custo”.
Com outro painel, a síntese obtida poderia ser eventualmente a mesma. O ponto não é esse. O ponto é o de se pressupor que, ouvindo estas quatro individualidades, se torna possível conhecer, à partida, a opinião que «os economistas» têm sobre as mais diversas matérias.
Faça-se o exercício de tentar posicionar estes comentadores no espectro político-partidário, no campo de perspectivas do pensamento económico e nas tendências de parecer face a questões concretas. E ter-se-á uma noção clara sobre a estreiteza do conceito de pluralismo de opinião que o serviço público de televisão tem, em matéria de debate económico.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Ecos na blogosfera (4)

A crise e o ilusionismo
Por JAG
Clube dos Jornalistas

Vídeo: El gran casino Europeo
Está aberta há duas semanas uma petição na Internet a exigir o pluralismo de opinião na televisão em temas político-económicos (ver notícia aqui). Os promotores entendem que os canais de TV seleccionam os comentadores num grupo muito restrito e que as opiniões expressas naquele meio sobre a crise financeira são redundantes. Dito de um modo mais directo, as televisões impõem um pensamento único. E a verdade é que existe uma grande diversidade de opiniões. A prova é este video intitulado “O grande casino europeu”, que explica em termos simples como se transforma uma dívida privada em dívida pública. É informação alternativa.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ecos na blogosfera (3)

Pelo pluralismo de informação
P de preconceito
Por Vítor Dias
O Tempo das Cerejas

Numa circunstância nacional de enorme tensão e gravidade sociais e políticas, o PCP realizou ontem uma reunião do seu Comité Central seguida de uma conferência de imprensa de Jerónimo de Sousa e da divulgação do comunicado que pode ser lido aqui. Pois acontece que no Público (e também no DN a avaliar pela consulta da edição online) não há a mais pequena referência àquela reunião e às suas conclusões. Saibam entretanto os leitores que o Público - e muito bem - continuou, na sua edição de hoje, a dedicar várias páginas a escapelizar a proposta de Orçamento mas já entendeu inconveniente colar-lhes as críticas do PCP. E saibam também os leitores que ao Público não faltou espaço para dedicar uma página inteira à proposta de revisão constitucional do PS (oh momentosa e crucial questão !), meia página às cenas de faca e alguidar que se vivem na Federação do PS de Coimbra, uma página inteira (que não contesto) às espécies de plantas que existem em Portugal e ainda umas linhas com as opiniões de João Duque, Jorge Miranda e António Pires de Lima sobre os cenários políticos próximos.
Pois é, como os leitores poderão ver na barra lateral direita, também neste blogue se promove a petição em curso pelo "pluralismo de opinião no debate político-económico". Bom será porém que não se esqueça que, como se vê pela amostra junta, continua actual e candente a luta pelo pluralismo na informação.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Como o abaixo-assinado a favor do pluralismo na informação já teve efeitos

Por Jorge Nascimento Fernandes
Trix-Nitrix

O Expresso da Meia Noite, da SIC Notícias, provavelmente envergonhado por escolher sempre gente com o mesmo pensamento económico, resolveu nos dois últimos debates que realizou convidar, no anterior, Francisco Louçã e, neste último, fartura das farturas, José Reis, professor de economia em Coimbra, que parece que é da área do PS, mas que tem dado colaboração a muitas iniciativas da esquerda à esquerda do PS, e o Ladrão de Bicicletas José Maria Castro Caldas. Os outros eram os do costume, de quem já nem me recordo o nome.

José Reis insurgiu-se contra a atitude da Nova Europa dominada pela Alemanha da Sr.ª Angela Merkel, que, num egoísmo extremo, impede o Banco Central Europeu de resolver as dificuldades económicas dos Estados aflitos. Ou seja, empresta aos bancos e não empresta aos Estados e estes, para se financiarem, têm que pagar os juros que aqueles lhes exigem. Um verdadeiro regabofe. Primeira verdade que neste arrazoado de mentiras e desinformação coloca a UE, e o tratado de Lisboa, como os principais responsáveis pela situação deplorável a que chegaram os Estados mais frágeis do Sul da Europa.

José Maria Castro Caldas, mais incisivo ainda, adiantou que o que se estava a passar correspondia a situações anteriores em que os Estados para baixar os salários e facilitar as exportações, em vez de desvalorizar a moeda, que presentemente não é possível porque estamos no Euro, impõe um orçamento extremamente recessivo, que na prática diminui os salários. Em qualquer dos casos rouba os trabalhadores, diminuindo o seu poder de compra e não garantindo o aumento das exportações.

Em segundo lugar atacou, e bem, as parcerias público privadas, considerando que os contratos estabelecidos com as empresas eram sempre ruinosos para o Estado, na medida em que depois de ter corrido com o pessoal especializado na elaboração destes contratos, atribuía a gabinetes de advogados a sua redacção, que de um modo geral também trabalhavam para a parte contrária. Todos lucravam, menos um, que é o Estado.

Aqui temos pois que quando se permite que opiniões diferentes cheguem aos ecrãs da televisão algumas verdades vêm ao de cima. No entanto, é bom chamarmos a atenção para isto: primeiro, este programa foi interrompido permanentemente com reportagens da Assembleia da República onde todo o momento estava para chegar a pen com o orçamento, o que perturbou imenso a fluência do debate. Segundo, Ricardo Costa estava constantemente a interromper Castro Caldas, com aquelas perguntas que a ideologia dominante utiliza sempre nestas circunstâncias, quebrando a fluidez do discurso daquele economista.

Mas não era passado um dia sobre esta pequena conquista na televisão, quando é anunciado que a TV do Estado, a RTP2, tinha contratado para seus comentadores os economistas Daniel Bessa e Victor Bento. Dois figurões do bloco central que lá irão reproduzir o pensamento económico dominante.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

RTP - A leste do Pluralismo


Por Joana Lopes
Entre as brumas da memória

Na Petição pelo pluralismo de opinião no debate político-económico, ainda em fase de recolha de assinaturas mas que será em breve encerrada, especifica-se uma exigência dirigida «em particular às televisões e, sobretudo, àquela a quem compete prestar “serviço público”»

Acontece que, entretanto, por mera coincidência ou nem por isso, parece existir uma especial atenção da SIC nos últimos dias (Expresso da Meia-Noite de 15 de Outubro com José Reis e José Castro caldas, oh, meu deus!...). Já a RTP avança em sentido oposto e anuncia como comentadores permanentes os economistas Daniel Bessa e Vítor Bento.

Comentários para quê…Mas razão adicional para se pressionar quem de direito, numa última oportunidade para assinar e divulgar a Petição.

Assina-se aqui e pode ser feito download do texto, em formato pdf, aqui.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Ecos na imprensa (4)

Petição exige pluralismo na análise à crise económica
A.23 Online, 18 de Outubro

Uma petição na Internet a exigir o pluralismo de opinião na televisão em temas político-económicos ultrapassou as mil assinaturas em menos de uma semana, anunciaram hoje os responsáveis. Em nota, os promotores, que gerem também o blogue Pluralismo no Debate, insurgem-se “contra o tom monolítico e redundante que tem dominado os meios de comunicação social” na “análise da crise e à apreciação das medidas de austeridade em curso”, o que, defendem, “resulta em larga medida do convite recorrente a um leque muito limitado de comentadores, em regra alinhados com uma única perspetiva sobre as questões em debate”.
Nuno Serra, um dos promotores da petição, explicou à Lusa que foi “a estranheza e a perplexidade” com o facto de os meios de comunicação, nomeadamente as televisões de canal aberto, apresentarem “uma redundância de opiniões face à situação financeira do país e ao momento de crise que o país e a Europa atravessam”.
Vemos normalmente as mesmas caras e o discurso económico tem uma divergência mínima. Esperaríamos dos meios de comunicação, nomeadamente das televisões de canal aberto, que dessem conta desse pluralismo de opiniões do debate intenso que se tem travado no seio da economia e aquilo que constatamos é que o âmbito da discussão é feito de uma forma absolutamente confinada”, afirmou.
Para Nuno Serra, o debate mediático da política económica nacional “parte de vários pressupostos” que não são universais: a discussão mediática da economia portuguesa assume que “o único caminho a seguir é o do combate ao défice e a recusa de políticas expansionistas que pudessem causar a retoma da economia”.
O promotor da petição considera que “a perplexidade é essa, porque os meios de comunicação deverão ser os primeiros a promover o contraditório, quando esse debate existe na academia e nas diferentes políticas que os Estados Unidos da América estão a adotar”, mas “a Europa continua, infelizmente, numa perspetiva de continuidade de políticas que estiveram, afinal, por detrás da crise”.
Os organizadores da petição consideram existir um “preocupante silenciamento” de sectores político-sociais e de “reputados economistas que têm contestado a lógica das medidas adotadas”, exigindo aos media, “em particular às televisões, e sobretudo àquela a quem compete prestar serviço público”, que “respeitem o pluralismo no debate político-económico”.
Menos do que isso, dizem, “é ficar aquém da democracia e do esclarecimento”.
A petição tem como destinatários as direções de informação das televisões, outros órgãos de comunicação social, grupos parlamentares com representação na Assembleia da República e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

domingo, 17 de outubro de 2010

Ecos na imprensa (3)

Porque não mudam os políticos?
Actores do complexo político-mediático português tendem a eternizar-se, o que leva à ausência de novos ângulos de abordagem

Fátima Mariano
Jornal de Notícias, 17 de Outubro

A crítica foi feita na última semana pelo antigo presidente da República Jorge Sampaio: os rostos da política portuguesa não se alteraram nos últimos 30 anos, apenas envelheceram. E é imperativo que haja um rejuvenescimento nesta área para bem da saúde democrática, defende Sampaio.
Embora esta continuidade tenha vantagens, porque a profissionalização significa ter pessoas melhor qualificadas nas áreas em que vão trabalhar, como defende Manuel Merinho, da Universidade de Lisboa, também tem o seu lado negativo. "Esta cristalização limita potencialmente as ideias e o envolvimento dos cidadãos nos partidos", sustenta Carlos Jalali, da Universidade de Aveiro.
Na área do comentário político-económico, sobretudo em televisão, o cenário não é muito diferente e está, também, sujeito a críticas. Há cerca de uma semana foi lançada um petição online "contra o tom monolítico e redundante que tem dominado os meios de comunicação social" na "análise da crise e à apreciação das medidas de austeridade em curso", o que, defendem os seus promotores, "resulta em larga medida do convite recorrente a um leque muito limitado de comentadores, em regra alinhados com uma única perspectiva sobre as questões em debate".
Investigadores na área da comunicação social consideram que esta realidade se deve, por um lado, ao facto de os canais de televisão "arriscarem muito pouco, pelos investimentos envolvidos" e, por outro, não investirem tempo na procura de novos rostos, que consigam aportar novos ângulos sobre a vida nacional.
Críticas rejeitadas pelos directores de informação dos três canais generalistas de televisão, que defendem haver novos comentadores e novas opiniões.
Habituámo-nos a vê-los ano após ano no espaço político-mediático. Ocupando cargos partidários, de governação ou na administração de institutos ou empresas públicas. Muitos começaram a entrar na esfera pública como militantes das juventudes partidárias e/ou líderes estudantis. Outros, uma minoria, iniciaram-se como independentes, mas acabaram por inscreverem-se nos partidos políticos.
O antigo chefe de Estado, Jorge Sampaio, criticou, na última semana, esta realidade, dizendo que os rostos da política portuguesa pouco se alteraram nas últimas três décadas e defendendo a necessidade do seu rejuvenescimento. Mas esta fraca renovação das elites político-partidárias tem um lado positivo para as democracias, defende Manuel Meirinho, professor de Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política da Universidade Técnica de Lisboa. (...)

(Ler aqui o artigo na íntegra)

sábado, 16 de outubro de 2010

Ecos na imprensa (2)

Petição na Net pede pluralismo na TV
Em menos de uma semana, a petição já recolheu mais de mil assinaturas de cidadãos
Diário de Notícias, 16 de Outubro

Uma petição na Internet a exigir o pluralismo  de opinião na televisão em temas político-económicos ultrapassou as mil assinaturas em menos de uma semana, anunciaram ontem os responsáveis. Em nota, os promotores, que gerem também o blogue Pluralismo no Debate, insurgem-se "contra o tom monolítico e redundante que tem dominado os meios  de comunicação social" na "análise da crise e à apreciação das medidas de  austeridade em curso", o que, defendem, "resulta em larga medida do convite recorrente a um leque muito limitado de comentadores, em regra alinhados  com uma única perspectiva sobre as questões em debate".
Nuno Serra, um dos promotores da petição, explicou à Lusa que foi "a estranheza e a perplexidade" com o facto de os meios de comunicação, nomeadamente  as televisões de canal aberto, apresentarem "uma redundância de opiniões  face à situação financeira do país e ao momento de crise que o país e a  Europa atravessam".
"Vemos normalmente as mesmas caras e o discurso económico tem uma divergência  mínima. Esperaríamos dos meios de comunicação, nomeadamente das televisões  de canal aberto, que dessem conta desse pluralismo de opiniões do debate  intenso que se tem travado no seio da economia e aquilo que constatamos  é que o âmbito da discussão é feito de uma forma absolutamente confinada",  afirmou. Para Nuno Serra, o debate mediático da política económica nacional "parte  de vários pressupostos" que não são universais: a discussão mediática da  economia portuguesa assume que "o único caminho a seguir é o do combate  ao défice e a recusa de políticas expansionistas que pudessem causar a retoma  da economia".
A perplexidade é essa, "porque os  meios de comunicação deverão ser os primeiros a promover o contraditório,  quando esse debate existe na academia e nas diferentes políticas que os  EUA estão a adoptar".

Ecos na imprensa (1)

Petição online com mais de 1000 assinaturas exige pluralismo na análise à crise económica
Público, 15 de Outubro (*)

Em nota, os promotores, que gerem também o blogue Pluralismo no Debate, insurgem-se “contra o tom monolítico e redundante que tem dominado os meios de comunicação social” na “análise da crise e à apreciação das medidas de austeridade em curso”, o que, defendem, “resulta em larga medida do convite recorrente a um leque muito limitado de comentadores, em regra alinhados com uma única perspetiva sobre as questões em debate”.
Nuno Serra, um dos promotores da petição, explicou à Lusa que foi “a estranheza e a perplexidade” com o facto de os meios de comunicação, nomeadamente as televisões de canal aberto, apresentarem “uma redundância de opiniões face à situação financeira do país e ao momento de crise que o país e a Europa atravessam”.
Vemos normalmente as mesmas caras e o discurso económico tem uma divergência mínima. Esperaríamos dos meios de comunicação, nomeadamente das televisões de canal aberto, que dessem conta desse pluralismo de opiniões do debate intenso que se tem travado no seio da economia e aquilo que constatamos é que o âmbito da discussão é feito de uma forma absolutamente confinada”, afirmou.
Para Nuno Serra, o debate mediático da política económica nacional “parte de vários pressupostos” que não são universais: a discussão mediática da economia portuguesa assume que “o único caminho a seguir é o do combate ao défice e a recusa de políticas expansionistas que pudessem causar a retoma da economia”.
O promotor da petição considera que “a perplexidade é essa, porque os meios de comunicação deverão ser os primeiros a promover o contraditório, quando esse debate existe na academia e nas diferentes políticas que os Estados Unidos da América estão a adotar”, mas “a Europa continua, infelizmente, numa perspetiva de continuidade de políticas que estiveram, afinal, por detrás da crise”.
Os organizadores da petição consideram existir um “preocupante silenciamento” de sectores político-sociais e de “reputados economistas que têm contestado a lógica das medidas adotadas”, exigindo aos media, “em particular às televisões, e sobretudo àquela a quem compete prestar serviço público”, que “respeitem o pluralismo no debate político-económico”.
Menos do que isso, dizem, “é ficar aquém da democracia e do esclarecimento”.
A petição tem como destinatários as direções de informação das televisões, outros órgãos de comunicação social, grupos parlamentares com representação na Assembleia da República e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

(*) Notícia igualmente referida no blogue Peso & Medida

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Círculo já sem quadratura


Por Joana Lopes
Entre as brumas da memória

Assisti hoje a uma notável exibição de ausência de um mínimo de pluralismo no debate político: a repetição do programa «Quadratura do Círculo», emitido ontem à noite pela SIC Notícias.

Nem sequer pondo em causa que uma estação de televisão, por ser privada, possa escolher os comentadores que entender, e sendo certo que os elementos que compõem o painel são os mesmos desde há muito, deu-se agora um salto qualitativo no sentido de uma convergência cada vez maior de posições, ancorada na fatídica «inevitabilidade» do destino negro que, «lá fora», outros estão a decidir por nós para os próximos longos tempos.

Só a distribuição de culpas parece distinguir defesas e ataques, já que, quanto ao resto, se ouvem afirmações perfeitamente cristalinas, como esta de Pacheco Pereira: «O que se vai votar é tão importante para o PS como para o PSD e o Orçamento não seria muito diferente se fosse este último a fazê-lo». Sic.

Mais esclarecedora ainda foi a posição assertiva de António Costa, para quem o país tem um verdadeiro problema de governabilidade porque as maiorias absolutas são raras e as coligações difíceis – sobretudo à esquerda, porque 20% do eleitorado (peanuts…) é representado por partidos com os quais não é possível funcionar. Que fazer então? Uma coligação PS – PSD? Não, porque há que permitir a alternância. Mas estes dois partidos devem criar condições para que aquele que ganhar governe, com base num «pacto de regime» que assegure a aprovação do programa e do orçamento, bem como a gestão de moções de censura e de confiança. Assim mesmo, sem tirar nem pôr e para todo o sempre.

É isto que entra pela nossa casa dentro, é contra este monolitismo que se impõe a exigência de diversidade e é nesta batalha que se insere a Petição pelo pluralismo de opinião no debate político-económico, lançada há dez dias, e que conta já com mais de 1.000 assinaturas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Ecos na blogosfera (2)

Mais uma vez a ofensiva ideológica da direita e uma petição pelo pluralismo nos media
por Jorge Nascimento Fernandes

Não quero pavonear-me com louros que não conquistei, mas tenho para mim que fui um dos primeiros a denunciar a ofensiva ideológica da direita traduzida na escolha de comentadores e de programas televisivos que faziam uma clara apologia das opções económica, financeiras e políticas da ideologia neo-liberal ou simplesmente de direita.
Numa pesquisa breve deste tema no meu blog encontro desde logo um post em Janeiro deste ano, outro em Fevereiro e posteriormente em Junho, e em Julho, este e este, terminando, já em Setembro, com este.
Referindo-se sempre a uma situação concreta, todos eles fazem uma clara denúncia da ofensiva da direita em termos políticos e ideológicos e da permanente ocupação de todo o espaço mediático pela direita. O PS aparece em todos eles como incapaz de reagir ou como colaborador activo desta encenação.
Muitos comentadores da blogosfera, e não irei em concreto citar nenhum, têm referido a desvergonha que é o pensamento único, que justifica a ofensiva do Governo e as propostas da oposição de direita que lhe são semelhantes, ocupar por inteiro todos os media, não havendo lugar para o contraditório. Não vi ainda o Sr. Pacheco Pereira incomodado com isto, tão pressuroso em denunciar a falte de contraditório na TV estatal em relação o que diz o primeiro-ministro.
Em relação ao meu post anterior e cujo conteúdo provocou uma chusma de insultos por parte alguém do PCP, gostaria só de acrescentar uma pequena adenda. A ofensiva que tenho vindo a denunciar é da direita e visava, de facto, levar o Governo a aplicar as medidas que tomou. O PS andou durante quase todo o Verão a engonhar, refugiando-se num oásis que só existia nas palavras de Sócrates ou então a garantir a sua imaculada defesa do estado social.
Para tentar sobreviver, Sócrates lança-se para a frente e aplica em doses maciças tudo aquilo que há meses lhe andavam a soprar. Portanto, os comentadores escolhidos a dedo pelos media não só aplaudem as medias tomadas, porque eram aquelas que eles andavam há muito a pedir, como se preparam para exigir mais ou a justificar o provável fracasso destas pela incompetência do Governo ou pelo atraso na sua aplicação. Em qualquer dos casos estão todos de acordo. Mas isto não invalida aquilo que eu explanei na minha última intervenção.
O inimigo principal continua a ser a direita, que conta com a colaboração activa do PS, que não se importa de se suicidar como partido do Governo a ter que alterar a sua política de direita, está-lhe na massa do sangue. Sócrates espera poder sobreviver entre os pingos da chuva, recorrendo à impossibilidade constitucional de dissolver a Assembleia da República e à necessidade de o presidente Cavaco ser eleito e por isso querer o orçamento aprovado. Mas a longo prazo, que não deve exceder um ano, deve estar quase moribundo ou então num golpe de asa consegue sobreviver. A ver vamos, e sofrendo, no entanto, as agruras da crise.

PS.: já estava este post escrito, quando me chegou à caixa dos e-mails a notícia que circulava na net e no facebook uma petição referente ao pluralismo de opinião no debate político-económico. No fundo, vinha na sequência das denúncias que eu tinha feito relativamente à ofensiva político-ideológica que pretendia transmitir um pensamento único nas televisões. O site é este e, se os meus leitores estiverem de acordo, assinem.

Ecos na blogosfera (1)

Contra os “Dupond et Dupont” da economia: petição pelo pluralismo do debate político-económico nos média
por Henrique de Sousa

É cada vez maior o número dos que estão fartos de levar em cima com a ocupação do espaço público e mediático pelos “bonzos” bem pagos do pensamento único da economia. Os mesmos que (quase) sempre se enganaram, mas nunca têm dúvidas quanto à orientação de apertar o cinto dos “de baixo” e de preservar os privilégios dos “de cima”, em nome da acalmia e estabilidade dessa entidade mitificada que são “os mercados”, a nova religião que nos querem impingir.

São os novos “Dupond et Dupont”, os guardiões do templo do pensamento neoclássico e neoliberal na economia das universidades, às vezes com umas pitadas (cada vez mais ténues e esquecidas) de keynesianismo à mistura. Com passagem por sucessivos governos e administrações de bancos e grupos económicos, frequentemente acumulando escandalosas reformas, e que o poder económico e político usa e compra, quer para explicar as medidas anti-sociais, quer para preparar o terreno para os assaltos seguintes à carteira dos cidadãos comuns.

Sucessivas gerações´de economistas formados neste ambiente académico e mediático ajudam a explicar a tibieza do protesto e da revolta contra a monotonia do discurso neoliberal e o conformismo e passividade relativamente à sua tese máxima de que “não há alternativa”. Tese proclamada pela nada saudosa Thatcher ( lembram-se do acrónimo TINA – “There is no alternative” ?) que, com Reagan, protagonizaram e impulsionaram no plano das políticas o neoliberalismo como doutrina da globalização capitalista e do reforço mundial do poder, da concentração e dos recursos do grande capital, depois dos “30 gloriosos” do pós-guerra em que este se vira constrangido aos compromissos do Estado Social entre capital e trabalho nas sociedades demoliberais.

Felizmente que está a surgir um número cada vez maior de vozes lúcidas na Economia (neomarxistas, keynesianos, institucionalistas,…) que, nas universidades e fora delas, provam que há mais mundo, mais ideias, mais alternativas e caminhos além dos proclamados pelos sacerdotes do TINA. E uma nova geração aí está a provar que nesta área não se vergam nem acomodam ao situacionismo dominante (é ver, como exemplo, o blogue Ladrões de Bicicletas). É mais que tempo de terem também voz no espaço público e mediático!

Merece por isso todo o apoio a petição on-line pelo pluralismo de opinião no debate político-económico que acaba de ser lançada exigindo que se acabe com esta vergonhosa e ostensiva imposição de um pensamento único nos média, afinal nada compatível na teoria com as credenciais liberais que os seus propagandistas de serviço gostam de ostentar, de modo a que todos os cidadãos tenham acesso à diversidade de análises e opções existentes.

Neste tempo em que nos mergulharam numa espiral suicidária e recessiva de PECs, temos direito e é preciso um debate plural e verdadeiramente contraditório que não nos limite às receitas do costume. Assinem aqui a petição e passem a palavra!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Comunicado de Imprensa (1)

Lançada a 5 de Outubro de 2010, circula na Internet a Petição pelo pluralismo de opinião no debate político-económico, que ultrapassou as mil assinaturas em menos de uma semana.
Os signatários insurgem-se contra o tom monolítico e redundante que tem dominado os meios de comunicação social no que concerne à análise da crise e à apreciação das medidas de austeridade em curso, que resulta em larga medida do convite recorrente a um leque muito limitado de comentadores, em regra alinhados com uma única perspectiva sobre as questões em debate.
Os subscritores consideram, portanto, existir um preocupante silenciamento de «diversos sectores político-sociais e de reputados economistas que têm contestado a lógica das medidas adoptadas», exigindo no texto, «aos órgãos de comunicação social – em particular às televisões, e sobretudo àquela a quem compete prestar “serviço público” – que respeitem o pluralismo no debate político-económico de modo a que se possa construir uma opinião pública mais activa e informada».

A petição tem como destinatários as direcções de informação dos canais televisivos portugueses e restantes meios de comunicação social; responsáveis por programas de televisão centrados na análise de questões político-económicas; grupos parlamentares com representação na Assembleia da República e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O compressor

Daniel Oliveira
Expresso (9 de Outubro 2010)

O desfile televisivo de economistas-comentadores que nos vendem certezas tonitruantes chega a ser desesperante. Varia no grau do radicalismo: devia ser pior ou assim é suficiente; veio tarde de mais ou agora era o tempo. Varia no estilo, que pode ir do populismo desvairado de Medina Carreira às banalidades de Cantigas Esteves. Mas todos os dias, todas as horas, temos direito a este redundante massacre. Massacre que os comentadores-leigos repetem, mais por preguiça do que por convicção.
Este sequestro do debate político não resulta de uma conspiração. Resulta, antes de mais, do assalto das correntes neoliberais à Academia. Os economistas realistas (sim, utópico é pensar que se recupera com recessão) foram quase banidos da Universidade portuguesa. Os estudantes estão limitados aos manuais do "sobe e desce" e a um dogmatismo ideológico comparável aos tempos em que a vulgata marxista tomou conta da Universidade. Com uma diferença de fundo: a Academia deixou de ser um espaço autónomo do poder económico para se transformar no seu prolongamento. A ideia de que a escola deve estar ao serviço das empresas, e não de toda a comunidade, comprou a inteligência.
Aconteceu exatamente o mesmo com a comunicação social. Com a redução do poder das redações e a crescente proletarização dos jornalistas, qualquer sinal de espírito crítico foi aniquilado. Mesmo que um jornalista tenha dúvidas, a ideologia dominante impõe-se, legitimada que está por todos os poderes: o académico, o económico e o político. Esse consenso foi rompido por uns meses, aquando do subprime e da crise da banca. Mas as tropas de choque reagruparam-se. Quem é que se lembra da urgência em disciplinar os mercados financeiros? Agora a palavra de ordem é emagrecer o Estado.
A coisa tornou-se de tal forma pornográfica que, esta semana, um grupo de cidadãos lançou uma petição "Pelo pluralismo de opinião no debate político e económico" na comunicação social. Assinei sem esperança. O processo de comercialização de todos os focos de informação torna impossível qualquer debate mediático justo. Resta usar os instrumentos alternativos que a tecnologia nos oferece. Para ler, por exemplo, um longo e fundamentado documento redigido por um grupo de académicos franceses que foge da linha obrigatória ("Manifesto dos Economistas Aterrorizados", que pode ser encontrado na Net em português). Nas televisões, apenas podemos ver propaganda. A que se bate por este processo de engenharia social, que usa a crise provocada pelos especuladores financeiros para arrasar o Estado social e reduzir os custos do trabalho. Poucas ditaduras conseguiram ser tão eficazes no silenciamento da divergência.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sabia que existem outros economistas?

Miguel Cardina
Aparelho de Estado (Expresso online, 12 de Outubro 2010)

Permitam-me começar com uma declaração de interesses: vou falar de um assunto que deu azo a uma petição da qual sou um dos primeiros subscritores. Talvez devesse deixar isso para outros, mas não resisto a trazer aqui o eco da iniciativa uma vez que a petição - pelo pluralismo no debate político-económico - trata precisamente do silenciamento de determinadas posições no espaço público.
O fenómeno é antigo mas em determinadas alturas tem atingido picos muito notórios. A última foi despoletada pelo anúncio das medidas já conhecidas como PEC III, e que levou os meios de comunicação social a mobilizarem todo um naipe de comentadores e especialistas para procederem à respectiva análise. Alguns deles aparecem com frequência em vários canais televisivos e quase todos repetem, com pequenas diferenças, o discurso acerca da inevitabilidade das políticas de austeridade. Não faltam mesmo ex-ministros das finanças e da economia que, apagando-se da história, falam como se não tivessem deixado a sua pegada ecológica no país (e na Europa). A presença desta ortodoxia é de tal forma abafante que um empresário como Henrique Neto acaba por aparecer nesses painéis como uma espécie de esquerdista desgarrado.
Daniel Oliveira também se referiu ao tema na sua crónica semanal no Expresso, chamando apropriadamente de "compressor" a este condicionamento ideológico em curso. Nota que ele se conecta com a tomada em força dos departamentos de economia das universidades pelo neoliberalismo e com o eclipse do jornalismo de investigação. Tudo isto é verdade, com a agravante de existirem vozes a contracorrente que são sistematicamente colocadas à margem dos meios de comunicação de massas. Basta frequentar um blogue como o Ladrões de Bicicletas ou ler as edições mensais do Le Monde Diplomatique em português para encontrarmos economistas, e não só, que teimam em problematizar os caminhos que vêm sendo percorridos, em analisar as razões da crise em que estamos mergulhados ou em criticar a injusta repartição dos sacrifícios exigidos.
Não há democracia sem debate. Era bom que neste campo concreto se começasse efectivamente a dar  lugar ao contraditório. Poderíamos começar pela rádio e pela televisão pública. Quem sabe o resto não viria de arrasto.

domingo, 10 de outubro de 2010

Republicanizar a República

João Rodrigues
"i" online (11 de Outubro de 2010)

O historiador Fernando Catroga defendeu que é preciso republicanizar a República, ou seja, incrementar a participação democrática dos cidadãos, em condições de igualdade substantiva no nexo económico-legal, por forma a que o ideal de autogoverno possa ter expressões muito mais concretas. Diversos estudos empíricos indicam que os elevados níveis de desigualdade de rendimentos, como os que se registam no nosso país, com cavadas divisões de classe, são um dos mais poderosos obstáculos à acção colectiva capaz de descobrir, em cada momento, os bens comuns.
A desigualdade sapa a confiança social, um dos ingredientes da res publica. O dinheiro concentrado corrói as virtudes republicanas e favorece todos os vícios e todas as dominações: da arrogância à humilhação, passando pela excessiva deferência em relação aos mais ricos, a quem são automaticamente atribuídas todas as qualidades humanas que o dinheiro não pode comprar. O filantrocapitalismo emergente é só um sintoma de problemas mais vastos.
Como sublinhou outro historiador, Fernando Rosas, a configuração actual da globalização capitalista sabota a soberania nacional e impossibilita a criação de outros espaços com iguais possibilidades de legitimidade democrática. A invocação da ameaça dos "mercados financeiros" para justificar medidas de austeridade assimétrica é a expressão das forças que erodem a República e que favorecem os mesmos de sempre. O destino do processo de integração europeia, com a sua aposta em instituições de pilotagem de economias blindadas à deliberação democrática, é a tradução política de todas as chantagens do capital que circula por aí e que só gera crises. O BCE ou o Banco de Portugal, duas instituições que mais parecem defender os interesses particulares da banca, são apenas tristes exemplos desta engrenagem.
Tudo se torna ainda mais grave quando o processo de penetração da pura lógica capitalista, ou seja, do controlo dos grupos privados capturados por accionistas ávidos de dividendos, subverte o debate público plural, a melhor forma de irmos descobrindo verdades provisórias. O que se tem passado recentemente na televisão, o mais poderoso aparelho ideológico da actualidade, é esclarecedor a esse nível. Num contexto de desastrosas políticas de austeridade, construiu-se um monopólio da economia do medo, forjada por economistas medíocres, cujos argumentos em grande medida sobrevivem porque não há contraditório. O serviço público de televisão foi contaminado por essa lógica, quando deveria ser uma barreira à sua difusão.
Felizmente, um grupo de cidadãos teve uma iniciativa republicana: uma petição pelo pluralismo no debate político-económico que contém um diagnóstico realista do massacre ideológico neoliberal e um apelo ao fim deste monopólio da análise e da opinião. A multiplicação de iniciativas cidadãs, de debate e esclarecimento, sobre as políticas económicas de austeridade que destroem a República, são um contributo para republicanizar a economia, que bem precisa.
A greve geral de 24 de Novembro, que juntará a CGTP e a UGT, pela primeira vez em mais de duas décadas, é a expressão do que já sabemos há muito: só a força organizada do trabalho pode impedir o plano inclinado que leva a República para a oligarquia...

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Para o buraco

Daniel Oliveira
Expresso (2 de Outubro 2010)

Na televisão, economistas e comentadores dividiam-se: será isto suficiente ou devia ser mais? Já devia ter sido há mais tempo ou agora é o tempo certo? Naquela quarta-feira, como em quase todos os dias, os oráculos na nação medinacarreiraram o país, ainda atordoado com a paulada. A tese da inevitabilidade tem de passar. Mas há outras opiniões. E há outros economistas. Até com currículos académicos um pouco mais recheados e culpas políticas menos evidentes. Alguns, muito poucos, ainda são tolerados na Academia portuguesa, tomada pelo dogmatismo ideológico. Mas não chegam às televisões tomadas pelo dogmatismo ideológico. E não influenciam os políticos vergados ao dogmatismo ideológico. A estratégia é simples: garantir que o desespero se cala perante a política de terra queimada sem contraditório. E resulta.
E, no entanto, os factos não enganam: a Irlanda, a mítica Irlanda que devia ser um exemplo a seguir, a corajosa Irlanda que começou a cortar os salários dos funcionários públicos e tudo mais que mexesse antes de todos os outros, está no buraco. É agora o quarto país do mundo com maior possibilidade de chegar à bancarrota. Tem um défice superior a trinta por cento. A Grécia, a desgraçada Grécia, que foi obrigada a seguir o caminho que agora nos receitam, está apenas a cavar o buraco onde já estava. E a maravilhosa Espanha viu a cotação da sua dívida cair por causa das perspetivas de baixo crescimento económico. Olhando para isto, Portugal atira-se para este abismo sem hesitar. Sem uma voz que explique que estamos a rebentar com a nossa economia por muitos anos. Sem um dedo que agora aponte para a Irlanda e para a Grécia.
Os funcionários públicos irão finalmente ser sacrificados para acalmar a fúria dos mercados financeiros. Mas não serão apenas eles. Serão os reformados, que verão as suas miseráveis pensões congeladas. Serão os consumidores ou as empresas, que terão de pagar aumento do IVA. Serão os mais pobres, que vão sentir mais um corte no rendimento mínimo (já vai no dobro do que o CDS pedia). Serão todos os contribuintes, que ficarão a pagar por muitos anos o fundo de pensões descapitalizado da PT. E será, acima de tudo, toda a economia. Menos dinheiro disponível. Mais crise sobre a crise. Empresas que fecharão. O desemprego que inevitavelmente irá aumentar. Menos receitas fiscais, mais despesas sociais. Maior risco de incumprimento no pagamento das dívidas particulares à banca. O filme é simples e todos o conhecem. Mas a propaganda tratou de anestesiar o país.
Tudo feito, diz-se, para garantir o financiamento da nossa economia. Financiamento que a banca nos garante pedindo emprestado ao BCE a um por cento, para depois nos voltar a emprestar a quase sete. Apenas porque a União inventou o crime prefeito: impede-se a si própria de ajudar diretamente os Estados-membros para dar a ganhar a quem se alimenta da nossa desgraça. Todos estes sacrifícios não são para melhorar as nossas vidas. São para alimentar mais uma vez os mesmos que já salvámos da sua própria ganância.
Medidas impopulares? Todos as têm tomado. Há quantos anos nos pedem sacrifícios? As difíceis, as que tocam nos interesses dos que empregam muitos dos economistas que nos explicam o caminho que devemos seguir, é que nunca vêm. Para essas sim, é que era preciso coragem. Aqui, na Irlanda, na Grécia e em toda a Europa.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Petição pelo pluralismo de opinião no debate político-económico

As medidas de austeridade recentemente anunciadas pelo governo vieram mostrar, uma vez mais, a persistência de um fenómeno que corrói as bases de um sistema democrático. Nas horas e dias que se seguiram à conferência de imprensa de José Sócrates e de Teixeira dos Santos, os órgãos de comunicação social, nomeada-mente as televisões, empenharam-se mais em tornar as referidas medidas inevitáveis do que em promover efectivos espaços de debate em torno das grandes opções político-económicas.
De facto, os diferentes painéis de comentadores televisivos convidados para analisar o chamado PEC III foram sistematicamente constituídos a partir de um leque apertado e tendencialmente redundante de opiniões, que oscilou entre os que concordam e os que concordam, mas querem mais sangue; ou entre os que acham que o PEC III vem tarde e os que defendem ter surgido no timing certo. Para lá destas balizas estreitas do debate, parece continuar a não haver lugar para quem conteste, critique ou problematize o quadro conceptual que está em jogo e as intenções de fundo, ou o sentido e racionalidade dos caminhos que Portugal e a Europa têm vindo a seguir, em matéria de governação económica.
Por ignorância, preguiça, hábito, desconsideração deliberada ou manifesto servilismo, os canais televisivos têm sistematicamente tratado a análise da crise económica como se o intenso debate quanto aos fundamentos doutrinários e às opções políticas que estão em jogo pura e simplesmente não existisse. Com a particular agravante de a crise financeira, iniciada em 2008, ter permitido uma consciencialização crescente em relação às diferentes perspectivas, no seio do próprio pensamento económico, no que concerne às responsabilidades da disciplina na génese e eclosão da crise.
Com efeito, diversos sectores político-sociais e reputados economistas têm contestado a lógica das medidas adoptadas, alertando para o resultado nefasto de receitas semelhantes aplicadas em outros países e denunciado a injusta repartição dos sacrifícios feita por politicas que privilegiam os interesses dos mercados financeiros liberalizados. Mas a sua voz permanece, em grande medida, ausente dos meios de comunicação de massas.
Não se trata de criticar o monolitismo das opiniões convocadas para o debate, partindo do ponto de vista de quem nelas não se revê. Uma exclusão daqueles que têm tido o privilégio quase exclusivo de acesso aos meios de comunicação seria igualmente preocupante. O problema de fundo reside em ignorar, nos dias que correm, o pluralismo de interpretações e perspectivas sobre a crise, sobre os seus impactos e sobre as opções de superação.
Somos cidadãos e cidadãs preocupados com este silenciamento e monolitismo. E por isso exigimos aos órgãos de comunicação social – em particular às televisões, e sobretudo àquela a quem compete prestar “serviço público” – que respeitem o pluralismo no debate político-económico de modo a que se possa construir uma opinião pública mais activa e informada. Menos do que isso é ficar aquém da democracia e do esclarecimento.

Será dado conhecimento da presente petição, e dos respectivos subscritores, às direcções de informação dos canais televisivos portugueses e restantes meios de comunicação social; a responsáveis por programas de televisão que abordam questões político-económicas; aos grupos parlamentares com representação na Assembleia da República e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Manifesto dos Economistas Aterrorizados

Crise e Dívida na Europa:
10 falsas evidências, 22 medidas em debate para sair do impasse

Associação Francesa de Economia Política (AEFP)

Philippe Askenazy (CNRS, Ecole d'économie de Paris), Thomas Coutrot (Conselho Científico da Attac), André Orléan (CNRS, EHESS, Presidente da AFEP), Henri Sterdyniak (OFCE)

(Tradução de Nuno Serra; Revisão de João Rodrigues)
Introdução
A retoma económica mundial, que foi possível graças a uma injecção colossal de fundos públicos no circuito económico (desde os Estados Unidos à China) é frágil, mas real. Apenas um continente continua em retracção, a Europa. Reencontrar o caminho do crescimento económico deixou de ser a sua prioridade política. A Europa decidiu enveredar por outra via, a da luta contra os défices públicos.
Na União Europeia, estes défices são de facto elevados – 7% em média em 2010 – mas muito inferiores aos 11% dos Estados Unidos. Enquanto alguns estados norte-americanos com um peso económico mais relevante do que a Grécia (como a Califórnia, por exemplo), se encontram numa situação de quase falência, os mercados financeiros decidiram especular com as dívidas soberanas de países europeus, particularmente do Sul. A Europa, de facto, encontra-se aprisionada na sua própria armadilha institucional: os Estados são obrigados a endividar-se nas instituições financeiras privadas que obtêm injecções de liquidez, a baixo custo, do Banco Central Europeu (BCE). Por conseguinte, os mercados têm em seu poder a chave do financiamento dos Estados. Neste contexto, a ausência de solidariedade europeia incentiva a especulação, ao mesmo tempo que as agências de notação apostam na acentuação da desconfiança.
Foi necessário que a agência Moody baixasse a notação da Grécia, a 15 de Junho, para que os dirigentes europeus redescobrissem o termo “irracionalidade”, a que tanto recorreram no início da crise do subprime. Da mesma forma que agora se descobre que a Espanha está muito mais ameaçada pela fragilidade do seu modelo de crescimento e do seu sistema bancário do que pela sua dívida pública.
Para “tranquilizar os mercados” foi improvisado um Fundo de Estabilização do euro e lançados, por toda a Europa, planos drásticos – e em regra cegos – de redução das despesas públicas. As primeiras vítimas são os funcionários públicos, como sucede em França, onde a subida dos descontos para as suas pensões corresponderá a uma redução escondida dos seus salários, encontrando-se o seu número a diminuir um pouco por toda a parte, pondo em causa os serviços públicos. Da Holanda a Portugal, passando pela França com a actual reforma das pensões, as prestações sociais estão em vias de ser severamente amputadas. Nos próximos anos, o desemprego e a precariedade do emprego vão seguramente aumentar. Estas medidas são irresponsáveis de um ponto de vista político e social, mas também num plano estritamente económico.
Esta política, que apenas muito provisoriamente acalmou a especulação, teve já consequências extremamente negativas em muitos países europeus, afectando de modo particular a juventude, o mundo do trabalho e as pessoas em situação de maior fragilidade. A longo prazo, esta política reactivará as tensões na Europa e ameaçará por isso a própria construção europeia, que é muito mais do que um projecto económico. Supõe-se que a economia esteja ao serviço da construção de um continente democrático, pacífico e unido. Mas em vez disso, uma espécie de ditadura dos mercados é hoje imposta por toda a parte, particularmente em Portugal, Espanha e Grécia, três países que eram ditaduras no início da década de setenta, ou seja, há apenas quarenta anos.
Quer se interprete como um desejo de “tranquilizar os mercados”, por parte de governantes assustados, quer se interprete como um pretexto para impor opções ditadas pela ideologia, a submissão a esta ditadura não é aceitável, uma vez que já demonstrou a sua ineficácia económica e o seu potencial destrutivo no plano político e social. Um verdadeiro debate democrático sobre as escolhas de política económica deve pois ser aberto, em França e na Europa. A maior parte dos economistas que intervém no debate público, fazem-no para justificar ou racionalizar a submissão das políticas às exigências dos mercados financeiros. É certo que, um pouco por toda a parte, os poderes públicos tiveram que improvisar planos keynesianos de relançamento da economia e, por vezes, chegaram inclusive a nacionalizar temporariamente os bancos. Mas eles querem fechar, o mais rapidamente possível, este parêntese. A lógica neoliberal é sempre a única que se reconhece como legítima, apesar dos seus evidentes fracassos. Fundada na hipótese da eficiência dos mercados financeiros, preconiza a redução da despesa pública, a privatização dos serviços públicos, a flexibilização do mercado de trabalho, a liberalização do comércio, dos serviços financeiros e dos mercados de capital, por forma a aumentar a concorrência em todos os domínios e em toda a parte…
Enquanto economistas, aterroriza-nos constatar que estas políticas continuam a estar na ordem do dia e que os seus fundamentos teóricos não sejam postos em causa. Mas os factos trataram de questionar os argumentos utilizados desde há trinta anos para orientar as opções das políticas económicas europeias. A crise pôs a nu o carácter dogmático e infundado da maioria das supostas evidências, repetidas até à saciedade por aqueles que decidem e pelos seus conselheiros. Quer se trate da eficiência e da racionalidade dos mercados financeiros, da necessidade de cortar nas despesas para reduzir a dívida pública, quer se trate de reforçar o “pacto de estabilidade”, é imperioso questionar estas falsas evidências e mostrar a pluralidade de opções possíveis em matéria de política económica. Outras escolhas são possíveis e desejáveis, com a condição de libertar, desde já, o garrote imposto pela indústria financeira às políticas públicas.
Procedemos de seguida a uma apresentação crítica de dez postulados que continuam a inspirar, dia após dia, as decisões dos poderes públicos em toda a Europa, apesar dos lancinantes desmentidos que a crise financeira e as suas consequências nos revelam. Trata-se de falsas evidências, que inspiram medidas injustas e ineficazes, perante as quais expomos vinte e duas contrapropostas para debate. Cada uma delas não reúne necessariamente a concordância unânime dos signatários deste manifesto, mas deverão ser levadas a sério, caso se pretenda resgatar a Europa do impasse em que neste momento se encontra.
Falsa evidência n.º 1:
OS MERCADOS FINANCEIROS SÃO EFICIENTES
Existe hoje um facto que se impõe a todos os observadores: o papel primordial que desempenham os mercados financeiros no funcionamento da economia. Trata-se do resultado de uma longa evolução, que começou nos finais da década de setenta. Independentemente da forma como a possamos medir, esta evolução assinala uma clara ruptura, tanto quantitativa como qualitativa, em relação às décadas precedentes. Sob a pressão dos mercados financeiros, a regulação do capitalismo transformou-se profundamente, dando origem a uma forma inédita de capitalismo, que alguns designaram por “capitalismo patrimonial”, por “capitalismo financeiro” ou, ainda, por “capitalismo neoliberal”.
Estas mudanças encontraram na hipótese da eficiência informacional dos mercados financeiros a sua justificação teórica. Com efeito, segundo esta hipótese, torna-se crucial desenvolver os mercados financeiros e fazer com que eles possam funcionar o mais livremente possível, dado constituírem o único mecanismo de afectação eficaz do capital. As políticas obstinadamente levadas a cabo nos últimos trinta anos seguem esta recomendação. Trata-se de construir um mercado financeiro mundialmente integrado, no qual todos os actores (empresas, famílias, Estados, instituições financeiras) possam trocar toda a espécie de títulos (acções, obrigações, dívidas, derivados, divisas), em qualquer prazo (longo, médio e curto). Os mercados financeiros assemelharam-se cada vez mais ao mercado “sem fricção”, de que falam os manuais: o discurso económico convertera-se em realidade. Como os mercados se tornaram cada vez mais “perfeitos”, no sentido da teoria económica dominante, os analistas acreditaram que doravante o sistema financeiro passaria a ser muito mais estável que no passado. A “grande moderação” – o período de crescimento económico sem subida dos salários, que os Estados Unidos conheceram entre 1990 e 2007 – parecia confirmá-lo.
Apesar de tudo o que aconteceu, o G20 persiste ainda hoje na ideia de que os mercados financeiros constituem o melhor mecanismo de afectação do capital. A primazia e integridade dos mercados financeiros continuam por isso a ser os objectivos finais da nova regulação financeira. A crise é interpretada não como o resultado inevitável da lógica dos mercados desregulados, mas sim como um efeito da desonestidade e irresponsabilidade de certos actores financeiros, mal vigiados pelos poderes públicos.
A crise, porém, encarregou-se de demonstrar que os mercados não são eficientes e que não asseguram uma afectação eficaz do capital. As consequências deste facto em matéria de regulação e de política económica são imensas. A teoria da eficiência assenta na ideia de que os investidores procuram (e encontram) a informação mais fiável possível quanto ao valor dos projectos que competem entre si por financiamento. Segundo esta teoria, o preço que se forma num mercado reflecte a avaliação dos investidores e sintetiza o conjunto da informação disponível: constitui, portanto, um bom cálculo do verdadeiro valor dos activos. Ou seja, supõe-se que esse valor resume toda a informação necessária para orientar a actividade económica e, desse modo, a vida social. O capital é, portanto, investido nos projectos mais rentáveis, deixando de lado os projectos menos eficazes. Esta é a ideia central da teoria: a concorrência financeira estabelece preços justos, que constituem sinais fiáveis para os investidores, orientando eficazmente o crescimento económico.
Mas a crise veio justamente confirmar o resultado de diversos trabalhos científicos que puseram esta proposição em causa. A concorrência financeira não estabelece, necessariamente, preços justos. Pior: a concorrência financeira é, frequentemente, destabilizadora e conduz a evoluções de preços excessivas e irracionais, as chamadas bolhas financeiras.
O principal erro da teoria da eficiência dos mercados financeiros consiste em transpor, para os produtos financeiros, a teoria usualmente aplicada aos mercados de bens correntes. Nestes últimos, a concorrência é em parte auto-regulada, em virtude do que se chama a “lei” da oferta e da procura: quando o preço de um bem aumenta, os produtores aumentam a sua oferta e os compradores reduzem a procura; o preço baixa e regressa, portanto, ao seu nível de equilíbrio. Por outras palavras, quando o preço de um bem aumenta, existem forças de retracção que tendem a inverter essa subida. A concorrência produz aquilo a que se chama “feedbacks negativos”, forças de retracção que vão em sentido contrário ao da dinâmica inicial. A ideia da eficiência nasce de uma transposição directa deste mecanismo para o mercado financeiro.
Mas neste último caso a situação é muito diferente. Quando o preço aumenta é frequente constatar não uma descida mas sim um aumento da procura! De facto, a subida de preço significa uma rentabilidade maior para aqueles que possuem o título, em virtude das mais-valias que auferem. A subida de preço atrai portanto novos compradores, o que reforça ainda mais a subida inicial. As promessas de bónus incentivam os que efectuam as transacções a ampliar ainda mais o movimento. Até ao acidente, imprevisível mas inevitável, que provoca a inversão das expectativas e o colapso. Este fenómeno, digno da miopia dos “borregos de Panurge”[1], é um processo de “feedbacks positivos” que agrava os desequilíbrios. É a bolha especulativa: uma subida acumulada dos preços que se alimenta a si própria. Deste tipo de processo não resultam preços justos mas sim, pelo contrário, preços inadequados.
O lugar preponderante que os mercados financeiros ocupam não pode, portanto, conduzir a eficácia alguma. Mais do que isso, é uma fonte permanente de instabilidade, como demonstra de forma clara a série ininterrupta de bolhas que temos vindo a conhecer desde há vinte anos: Japão, Sudeste Asiático, Internet, mercados emergentes, sector imobiliário, titularização. A instabilidade financeira traduz-se assim em fortes flutuações das taxas de câmbio e da Bolsa, que manifestamente não têm qualquer relação com os fundamentos da economia. Esta instabilidade, nascida no sector financeiro, propaga-se a toda a economia real através de múltiplos mecanismos.
Para reduzir a ineficiência e instabilidade dos mercados financeiros, avançamos com quatro medidas:
Medida n.º 1: Limitar, de forma muito estrita, os mercados financeiros e as actividades dos actores financeiros, proibindo os bancos de especular por conta própria, evitando assim a propagação das bolhas e dos colapsos;
Medida n.º 2: Reduzir a liquidez e a especulação destabilizadora através do controle dos movimentos de capitais e através de taxas sobre as transacções financeiras;
Medida n.º 3: Limitar as transacções financeiras às necessidades da economia real (por exemplo, CDS unicamente para quem possua títulos segurados, etc.);
Medida n.º 4: Estabelecer tectos para as remunerações dos operadores de transacções financeiras.
Falsa evidência n.º 2:
OS MERCADOS FINANCEIROS FAVORECEM O CRESCIMENTO ECONÓMICO
A integração financeira conduziu o poder da finança ao seu zénite, na medida em que ela unifica e centraliza a propriedade capitalista à escala mundial. Daí em diante, é ela quem determina as normas de rentabilidade exigidas ao conjunto dos capitais. O projecto consistia em substituir o financiamento bancário dos investidores pelo financiamento através dos mercados de capitais. Projecto que fracassou porque hoje, globalmente, são as empresas quem financia os accionistas, em vez de suceder o contrário. Consequentemente, a governação das empresas transformou-se profundamente para atingir as normas de rentabilidade exigidas pelos mercados financeiros. Com o aumento exponencial do valor das acções, impôs-se uma nova concepção da empresa e da sua gestão, pensadas como estando ao serviço exclusivo dos accionistas. E desapareceu assim a ideia de um interesse comum inerente às diferentes partes, vinculadas à empresa. Os dirigentes das empresas cotadas em Bolsa passaram a ter como missão primordial satisfazer o desejo de enriquecimento dos accionistas. Por isso, eles mesmos deixaram de ser assalariados, como denota o galopante aumento das suas remunerações. De acordo com a teoria da “agência”, trata-se de proceder de modo a que os interesses dos dirigentes estejam alinhados com os interesses dos accionistas.
Um ROE (Return on Equity ou rendimento dos capitais próprios) de 15% a 25% passa a constituir a norma que impõe o poder da finança às empresas e aos assalariados e a liquidez é doravante o seu instrumento, permitindo aos capitais não satisfeitos, a qualquer momento, ir procurar rendimentos noutro lugar. Face a este poder, tanto os assalariados como a soberania política ficam, pelo seu fraccionamento, em condição de inferioridade. Esta situação desequilibrada conduz a exigências de lucros irrazoáveis, na medida em que reprimem o crescimento económico e conduzem a um aumento contínuo das desigualdades salariais. Por um lado, as exigências de lucro inibem fortemente o investimento: quanto mais elevada for a rentabilidade exigida, mais difícil se torna encontrar projectos com uma performance suficientemente eficiente para a satisfazer. As taxas de investimento fixam-se assim em níveis historicamente débeis, na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, estas exigências provocam uma constante pressão para a redução dos salários e do poder de compra, o que não favorece a procura. A desaceleração simultânea do investimento e do consumo conduz a um crescimento débil e a um desemprego endémico. Nos países anglo-saxónicos, esta tendência foi contrariada através do aumento do endividamento das famílias e através das bolhas financeiras, que geram uma riqueza assente num crescimento do consumo sem salários, mas que desemboca no colapso.
Para superar os efeitos negativos dos mercados financeiros sobre a actividade económica, colocamos em debate três medidas:
Medida n.º 5: Reforçar significativamente os contra-poderes nas empresas, de modo a obrigar os dirigentes a ter em conta os interesses do conjunto das partes envolvidas;
Medida n.º 6: Aumentar fortemente os impostos sobre os salários muito elevados, de modo a dissuadir a corrida a rendimentos insustentáveis;
Medida n.º 7: Reduzir a dependência das empresas em relação aos mercados financeiros, incrementando uma política pública de crédito (com taxas preferenciais para as actividades prioritárias no plano social e ambiental).
Falsa evidência n.º 3:
OS MERCADOS SÃO BONS JUIZES DO GRAU DE SOLVÊNCIA DOS ESTADOS
Segundo os defensores da eficiência dos mercados financeiros, os operadores de mercado teriam em conta a situação objectiva das finanças públicas para avaliar o risco de subscrever um empréstimo ao Estado. Tomemos o exemplo da dívida grega: os operadores financeiros, e todos quantos tomam as decisões, recorreram unicamente às avaliações financeiras para ajuizar sobre a situação. Assim, quando a taxa exigida à Grécia ascendeu a mais de 10%, cada um deduziu que o risco de incumprimento de pagamento estaria próximo: se os investidores exigem tamanho prémio de risco é porque o perigo é extremo.
Mas há nisto um profundo erro, quando compreendemos a verdadeira natureza das avaliações feitas pelos mercados financeiros. Como não é eficiente, o mais provável é que apresente preços completamente desconectados dos fundamentos económicos. Nessas condições, é irrazoável entregar unicamente às avaliações financeiras a análise de uma dada situação. Atribuir um valor a um título financeiro não é uma operação comparável a medir uma proporção objectiva, como por exemplo calcular o peso de um objecto. Um título financeiro é um direito sobre rendimentos futuros: para o avaliar é necessário prever o que será o futuro. É uma questão de valoração, não uma tarefa objectiva, porque no instante t o futuro não se encontra de nenhum modo predeterminado. Nas salas de mercado, as coisas são o que os operadores imaginam que venham a ser. O preço de um activo financeiro resulta de uma avaliação, de uma crença, de uma aposta no futuro: nada assegura que a avaliação dos mercados tenha alguma espécie de superioridade sobre as outras formas de avaliação.
A avaliação financeira não é, sobretudo, neutra: ela afecta o objecto que é medido, compromete e constrói um futuro que imagina. Deste modo, as agências de notação financeira contribuem largamente para determinar as taxas de juro nos mercados obrigacionistas, atribuindo classificações carregadas de grande subjectividade, contaminadas pela vontade de alimentar a instabilidade, fonte de lucros especulativos. Quando baixam a notação de um Estado, as agências de notação aumentam a taxa de juro exigida pelos actores financeiros para adquirir os títulos da dívida pública desse Estado e ampliam assim o risco de colapso, que elas mesmas tinham anunciado.
Para reduzir a influência da psicologia dos mercados no financiamento dos Estados, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 8: As agências de notação financeira não devem estar autorizadas a influenciar, de forma arbitrária as taxas de juro dos mercados de dívida pública, baixando a notação de um Estado: a sua actividade deve ser regulamentada, exigindo-se que essa classificação resulte de um cálculo económico transparente;
Medida n.º 8 (b): Libertar os Estados da ameaça dos mercados financeiros, garantindo a compra de títulos da dívida pública pelo BCE.
Falsa evidência n.º 4:
A SUBIDA ESPECTACULAR DAS DÍVIDAS PÚBLICAS É O RESULTADO DE UM EXCESSO DE DESPESAS
Michel Pébereau, um dos “padrinhos” da banca francesa, descrevia em 2005, num dos seus relatórios oficiais ad hoc, uma França asfixiada pela dívida pública e que sacrificava as suas gerações futuras ao entregar-se a gastos sociais irreflectidos. O Estado endividava-se como um pai de família alcoólico, que bebe acima das suas posses: é esta a visão que a maioria dos editorialistas costuma propagar. A explosão recente da dívida pública na Europa e no mundo deve-se porém a outra coisa: aos planos de salvamento do sector financeiro e, sobretudo, à recessão provocada pela crise bancária e financeira que começou em 2008: o défice público médio na zona euro era apenas de 0,6% do PIB em 2007, mas a crise fez com que passasse para 7%, em 2010. Ao mesmo tempo, a dívida pública passou de 66% para 84% do PIB.
O aumento da dívida pública, contudo, tanto em França como em muitos outros países europeus, foi inicialmente moderado e antecedeu esta recessão: provém, em larga medida, não de uma tendência para a subida das despesas públicas – dado que, pelo contrário, desde o início da década de noventa estas se encontravam estáveis ou em declínio na União Europeia, em proporção do PIB – mas sim à quebra das receitas públicas, decorrente da debilidade do crescimento económico nesse período e da contra-revolução fiscal que a maioria dos governos levou a cabo nos últimos vinte e cinco anos. A longo prazo, a contra-revolução fiscal alimentou continuamente a dilatação da dívida, de recessão em recessão. Em França, um recente estudo parlamentar situa em 100.000 milhões de euros, em 2010, o custo das descidas de impostos, aprovadas entre 2000 e 2010, sem que neste valor estejam sequer incluídas as exonerações relativas a contribuições para a segurança social (30.000 milhões) e outros “encargos fiscais”. Perante a ausência de uma harmonização fiscal, os Estados europeus dedicaram-se livremente à concorrência fiscal, baixando os impostos sobre as empresas, os salários mais elevados e o património. Mesmo que o peso relativo dos factores determinantes varie de país para país, a subida quase generalizada dos défices públicos e dos rácios de dívida pública na Europa, ao longo dos últimos trinta anos, não resulta fundamentalmente de uma deriva danosa das despesas públicas. Um diagnóstico que abre, evidentemente, outras pistas para além da eterna exigência de redução da despesa pública.
Para instaurar um debate público informado acerca da origem da dívida e dos meios de a superar, colocamos em debate uma proposta:
Medida n.º 9: Efectuar uma auditoria pública das dívidas soberanas, de modo a determinar a sua origem e a conhecer a identidade dos principais detentores de títulos de dívida e os respectivos montantes que possuem.
Falsa evidência n.º 5:
É PRECISO REDUZIR AS DESPESAS PARA DIMINUIR A DÍVIDA PÚBLICA
Mesmo que o aumento da dívida pública tivesse resultado, em parte, de um aumento das despesas públicas, o corte destas despesas não contribuiria necessariamente para a solução, porque a dinâmica da dívida pública não tem muito que ver com a de uma casa: a macroeconomia não é redutível à economia doméstica. A dinâmica da dívida depende de vários factores: do nível dos défices primários, mas também da diferença entre a taxa de juro e a taxa de crescimento nominal da economia.
Ora, se o crescimento da economia for mais débil do que a taxa de juro, a dívida cresce mecanicamente devido ao “efeito de bola de neve”: o montante dos juros dispara, o mesmo sucedendo com o défice total (que inclui os juros da dívida). Foi assim que, no início da década de noventa, a política do franco forte levada a cabo por Bérégovoy – e que se manteve apesar da recessão de 1993/94 – se traduziu numa taxa de juro durante muito tempo mais elevada do que a taxa de crescimento, o que explica a subida abrupta da dívida pública em França neste período. Trata-se do mesmo mecanismo que permite compreender o aumento da dívida durante a primeira metade da década de oitenta, sob o impacto da revolução neoliberal e da política de taxas de juro elevadas, conduzidas por Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
Mas a própria taxa de crescimento da economia não é independente da despesa pública: no curto prazo, a existência de despesas públicas estáveis limita a magnitude das recessões (“estabilizadores automáticos”); no longo prazo, os investimentos e as despesas públicas (educação, saúde, investigação, infra-estruturas…) estimulam o crescimento. É falso afirmar que todo o défice público aumenta necessariamente a dívida pública, ou que qualquer redução do défice permite reduzir a dívida. Se a redução dos défices compromete a actividade económica, a dívida aumentará ainda mais. Os comentadores liberais sublinham que alguns países (Canadá, Suécia, Israel) efectuaram ajustes brutais nas suas contas públicas nos anos noventa e conheceram, de imediato, um forte salto no crescimento. Mas isso só é possível se o ajustamento se aplicar a um país isolado, que adquire novamente competitividade face aos seus concorrentes. Evidentemente, os partidários do ajustamento estrutural europeu esquecem-se que os países têm como principais clientes e concorrentes os outros países europeus, já que a União Europeia está globalmente pouco aberta ao exterior. Uma redução simultânea e maciça das despesas públicas, no conjunto dos países da União Europeia, apenas pode ter como consequência uma recessão agravada e, portanto, uma nova subida da dívida pública.
Para evitar que o restabelecimento das finanças públicas provoque um desastre social e político, lançamos para debate duas medidas:
Medida n.º 10: Manter os níveis de protecção social e, inclusivamente, reforçá-los (subsídio de desemprego, habitação…);
Medida n.º 11: Aumentar o esforço orçamental em matéria de educação, de investigação e de investimento na reconversão ecológica e ambiental...tendo em vista estabelecer as condições de um crescimento sustentável, capaz de permitir uma forte descida do desemprego.
Falsa evidência n.º 6:
A DÍVIDA PÚBLICA TRANSFERE O CUSTO DOS NOSSOS EXCESSOS PARA OS NOSSOS NETOS
A afirmação de que a dívida pública constitui uma transferência de riqueza que prejudica as gerações futuras é outra afirmação falaciosa, que confunde economia doméstica com macroeconomia. A dívida pública é um mecanismo de transferência de riqueza, mas é-o sobretudo dos contribuintes comuns para os rentistas.
De facto, baseando-se na crença, raramente comprovada, de que a redução dos impostos estimula o crescimento e aumenta, posteriormente, as receitas públicas, os Estados europeus têm vindo a imitar os Estados Unidos desde 1980, adoptando uma política sistemática de redução da carga fiscal. Multiplicaram-se as reduções de impostos e das contribuições para a segurança social (sobre os lucros das sociedades, sobre os rendimentos dos particulares mais favorecidos, sobre o património e sobre as cotizações patronais), mas o seu impacto no crescimento económico continua a ser muito incerto. As políticas fiscais anti-redistributivas agravaram, por sua vez, e de forma acumulada, as desigualdades sociais e os défices públicos.
Estas políticas de redução fiscal obrigaram as administrações públicas a endividar-se junto dos agregados familiares favorecidos, através dos mercados financeiros, de modo a financiar os défices gerados. É o que se poderia chamar de “efeito jackpot”: com o dinheiro poupado nos seus impostos, os ricos puderam adquirir títulos (portadores de juros) da dívida pública, emitida para financiar os défices públicos provocados pelas reduções de impostos… Por esta via, o serviço da dívida pública em França representa 40.000 milhões de euros, quase tanto como as receitas do imposto sobre o rendimento. Mas esta jogada é ainda mais brilhante, pelo facto de ter conseguido convencer a opinião pública de que os culpados da dívida pública eram os funcionários, os reformados e os doentes.
O aumento da dívida pública na Europa ou nos Estados Unidos não é portanto o resultado de políticas keynesianas expansionistas ou de políticas sociais dispendiosas, mas sim o resultado de uma política que favorece as camadas sociais privilegiadas: as “despesas fiscais” (descida de impostos e de contribuições) aumentaram os rendimentos disponíveis daqueles que menos necessitam, daqueles que desse modo puderam aumentar ainda mais os seus investimentos, sobretudo em Títulos do Tesouro, remunerados em juros pelos impostos pagos por todos os contribuintes. Em suma, estabeleceu-se um mecanismo de redistribuição invertido, das classes populares para as classes mais favorecidas, através da dívida pública, cuja contrapartida é sempre o rendimento privado.
Para corrigir de forma equitativa as finanças públicas na Europa e em França, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 12: Atribuir de novo um carácter fortemente redistributivo à fiscalidade directa sobre os rendimentos (supressão das deduções fiscais, criação de novos escalões de impostos e aumento das taxas sobre os rendimentos…);
Medida n.º 13: Acabar com as isenções de que beneficiam as empresas que não tenham um efeito relevante sobre o emprego.
Falsa evidência n.º 7:
É PRECISO ASSEGURAR A ESTABILIDADE DOS MERCADOS FINANCEIROS PARA PODER FINANCIAR A DÍVIDA PÚBLICA
Deve analisar-se, a nível mundial, a correlação entre a subida das dívidas públicas e a financeirização da economia. Nos últimos trinta anos, favoráveis à liberalização total da circulação de capitais, o sector financeiro aumentou consideravelmente a sua influência sobre a economia. As grandes empresas recorrem cada vez menos ao crédito bancário e cada vez mais aos mercados financeiros. Do mesmo modo, as famílias vêem uma parte cada vez maior das suas poupanças ser drenada para o mercado financeiro (como no caso das pensões), através dos diversos produtos de investimento e, inclusivamente, em alguns países, através do financiamento da sua habitação (por crédito hipotecário). Os gestores de carteiras que tentam diversificar os riscos procuram títulos públicos como complemento aos títulos privados. E encontram-nos facilmente nos mercados, em virtude de os governos terem levado a cabo políticas similares, que conduziram a um relançamento dos défices: taxas de juro elevadas, descida dos impostos sobre os altos rendimentos, incentivo maciço à poupança financeira das famílias para favorecer a capitalização através da poupança reforma, etc.
Ao nível europeu, a financeirização da dívida pública encontra-se inscrita nos tratados: com Maastricht, os Bancos Centrais ficaram proibidos de financiar directamente os Estados, que devem encontrar quem lhes conceda empréstimos nos mercados financeiros. Esta “repressão monetária” acompanha a “liberalização financeira” e gera exactamente o contrário das políticas adoptadas após a grave crise da década de 30; politicas de “repressão financeira” (drásticas restrições à liberdade de movimento dos capitais) e de “liberalização monetária” (com o fim do regime do padrão-ouro). Trata-se de submeter os Estados, que se supõe serem por natureza despesistas, à disciplina dos mercados financeiros, que se supõe serem, por natureza, eficientes e omniscientes.
Como resultado desta escolha doutrinária, o Banco Central Europeu não tem por isso legitimidade para subscrever directamente a emissão de obrigações públicas dos Estados europeus. Privados da garantia de se poderem financiar junto do BCE, os países do sul tornaram-se presas fáceis dos ataques especulativos. De facto, ainda que em nome de uma ortodoxia sem fissuras, o Banco Central Europeu – que sempre se recusou a fazê-lo – teve de comprar, desde há alguns meses a esta parte – obrigações de Estado à taxa de juro do mercado, de modo a acalmar as tensões nos mercados de obrigações europeu. Mas nada nos diz que isso seja suficiente, caso a crise da dívida se agrave e as taxas de juro de mercado disparem. Poderá então ser difícil manter esta ortodoxia monetária, que carece, manifestamente, de fundamentos científicos sérios.
Para resolver o problema da dívida pública, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 14: Autorizar o Banco Central Europeu a financiar directamente os Estados (ou a impor aos bancos comerciais a subscrição de obrigações públicas emitidas), a um juro reduzido, aliviando desse modo o cerco que lhes é imposto pelos mercados financeiros;
Medida n.º 15: Caso seja necessário, reestruturar a dívida pública, limitando por exemplo o seu peso a determinado valor percentual do PIB, e estabelecendo uma discriminação entre os credores segundo o volume de títulos que possuam: os grande rentistas (particulares ou instituições) deverão aceitar uma extensão da maturidade da dívida, incluindo anulações parciais ou totais. E é igualmente necessário voltar a negociar as exorbitantes taxas de juro dos títulos emitidos pelos países que entraram em dificuldades na sequência da crise.
Falsa evidência n.º 8:
A UNIÃO EUROPEIA DEFENDE O MODELO SOCIAL EUROPEU
A construção europeia constitui uma experiência ambígua. Nela coexistem duas visões de Europa que não ousam contudo enfrentar-se abertamente. Para os social-democratas, a Europa deveria dedicar-se a promover o modelo social europeu, fruto do compromisso obtido após a Segunda Guerra Mundial, a partir dos princípios que o mesmo consubstancia: protecção social, serviços públicos e políticas industriais. A Europa deveria, nesses termos, ter erguido uma muralha defensiva perante a globalização liberal, uma forma de proteger, manter vivo e fazer progredir o modelo social europeu. A Europa deveria ter defendido uma visão específica sobre a organização da economia mundial e a regulação da globalização através de organizações de governação mundial. Como deveria ter permitido aos seus países membros manter um elevado nível de despesas públicas e de redistribuição, protegendo a sua capacidade de as financiar através da harmonização da fiscalidade sobre as pessoas, as empresas e os rendimentos do capital.
A Europa, contudo, não quis assumir a sua especificidade. A visão hoje dominante em Bruxelas e no seio da maioria dos governos nacionais é, pelo contrário, a de uma Europa liberal, cujo objectivo está centrado em adaptar as sociedades europeias às exigências da globalização: a construção europeia constitui nestes termos a oportunidade de colocar em causa o modelo social europeu e de desregular a economia. A prevalência do direito da concorrência sobre as regulamentações nacionais e sobre os direitos sociais no Mercado Único permitiu introduzir mais concorrência nos mercados de bens e de serviços, diminuir a importância dos serviços públicos e apostar na concorrência entre os trabalhadores europeus. A concorrência social e fiscal permitiu por sua vez reduzir os impostos, sobretudo os que incidem sobre os rendimentos do capital e das empresas (as “bases móveis”) e exercer pressão sobre as despesas sociais. Os tratados garantem quatro liberdades fundamentais: a livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Mas longe de se restringir ao mercado interno, a liberdade de circulação de capitais foi alargada aos investidores do mundo inteiro, submetendo assim o tecido produtivo europeu aos constrangimentos e imperativos da valorização dos capitais internacionais. A construção europeia configura-se deste modo como uma forma de impor aos povos as reformas neoliberais.
A organização da política macroeconómica (independência do BCE face às estruturas de decisão política, Pacto de Estabilidade) encontra-se marcada pela desconfiança relativamente aos governos democraticamente eleitos. Pretende privar completamente os países da sua autonomia tanto em matéria de política monetária, como de política orçamental. O equilíbrio orçamental deve ser forçosamente atingido, banindo-se qualquer política deliberada de relançamento económico, pelo que apenas se pode participar no jogo da “estabilização automática”. Ao nível da zona euro, não se admite nem se concebe nenhuma política conjuntural comum, como não se define qualquer objectivo comum em termos de crescimento ou de emprego. As diferenças quanto à situação em que se encontra cada país não são tidas em conta, pois o Pacto de Estabilidade não se comove nem com as taxas de inflação nem com os défices nacionais externos; os objectivos fixados para as finanças públicas não contemplam a especificidade da situação económica de cada país membro.
As instâncias europeias procuraram impulsionar reformas estruturais (através das Grandes Orientações de Política Económica, do Método Aberto de Coordenação ou da Agenda de Lisboa), com um êxito muito desigual. Como o método de elaboração destas instâncias não é democrático nem mobilizador, a sua orientação liberal jamais poderia contemplar as políticas decididas a nível nacional, atendendo às relações de força existentes em cada país. Esta orientação não pôde assim alcançar os sucessos incontestáveis que teria, de outro modo, legitimado. O movimento de liberalização económica foi posto em causa (com o fracasso da Directiva Bolkestein); tendo alguns países tentado nacionalizar as suas políticas industriais, ao mesmo tempo que a maioria se opôs à europeização das suas políticas fiscais e sociais. A Europa Social continua a ser um conceito vazio de conteúdo, apenas se afirmando vigorosamente a Europa da Concorrência e a Europa da Finança.
Para que a Europa possa promover verdadeiramente o modelo social europeu, colocamos à discussão duas medidas:
Medida n.º 16: Pôr em causa a livre circulação de capitais e de mercadorias entre a União Europeia e o resto do mundo, renegociando se necessário os acordos multilaterais ou bilaterais actualmente em vigor;
Medida n.º 17: Substituir a política da concorrência pela “harmonização e prosperidade”, enquanto fio condutor da construção europeia, estabelecendo objectivos comuns vinculativos tanto em matéria de progresso social como em matéria de políticas macroeconómicas (através de GOPS: Grandes Orientações de Política Social).
Falsa evidência n.º 9:
O EURO É UM ESCUDO DE PROTECÇÃO CONTRA A CRISE
O euro deveria ter funcionado como um factor de protecção contra a crise financeira mundial, uma vez que a supressão da incerteza quanto às taxas de câmbio entre as moedas europeias eliminou um factor relevante de instabilidade. Mas não é isso que tem sucedido: a Europa é afectada de uma forma mais dura e prolongada pela crise do que o resto do mundo, por factores que radicam nas opções tomadas no processo de unificação monetária.
Após 1999, a zona euro revelou um crescimento económico relativamente medíocre e um aumento das divergências entre os seus Estados membros em termos de crescimento, inflação, desemprego e desequilíbrios externos. O quadro de política económica da zona euro, que tende a impor políticas macroeconómicas semelhantes a países com situações muito distintas ampliou assim as disparidades de crescimento entre os Estados membros. Na generalidade dos países, sobretudo nos maiores, a introdução do euro não suscitou a prometida aceleração do crescimento. Para outros, o euro trouxe crescimento, mas à custa de desequilíbrios dificilmente sustentáveis. A rigidez monetária e orçamental, reforçada pelo euro, concentrou todo o peso do ajustamento no trabalho, promovendo a flexibilidade e a austeridade salariais, reduzindo a componente dos salários no rendimento total e aumentando as desigualdades.
Esta trajectória de degradação social foi ganha pela Alemanha, que conseguiu gerar importantes excedentes comerciais à custa dos seus vizinhos e, sobretudo, dos seus próprios assalariados, impondo uma descida dos custos do trabalho e das prestações sociais que lhe conferiu uma vantagem comercial face aos outros Estados membros, incapazes de tratar de forma igualmente violenta os seus trabalhadores. Os excedentes comerciais alemães limitaram portanto o crescimento de outros países. Os défices orçamentais e comerciais de uns não são senão a contrapartida dos excedentes de outros… O que significa que os Estados membros não foram capazes de definir uma estratégia coordenada.
A zona euro deveria, de facto, ter sido menos afectada pela crise financeira do que os Estados Unidos e o Reino Unido, pois as famílias da zona euro estão nitidamente menos dependentes dos mercados financeiros, que são menos sofisticados. Por outro lado, as finanças públicas encontravam-se em melhor situação; o défice público do conjunto dos países da zona euro era de 0,6% do PIB em 2007, contra os quase 3% dos EUA, do Reino Unido ou do Japão. Mas a zona euro padecia já então de um agravamento profundo dos desequilíbrios: os países do Norte (Alemanha, Áustria, Holanda, países escandinavos), comprimiam a massa salarial e a procura interna, acumulando excedentes externos, ao passo que os países do Sul e periféricos (Espanha, Grécia, Irlanda) revelavam um crescimento vigoroso, impulsionado pelas baixas taxas de juro (relativamente à taxa de crescimento), acumulando todavia défices externos.
A crise financeira começou, de facto, nos Estados Unidos, que trataram imediatamente de accionar uma política efectiva de relançamento orçamental e monetário, dando início a um movimento de restauração da regulação financeira. Mas a Europa, pelo contrário, não soube empenhar-se numa política suficientemente reactiva. De 2007 a 2010, o impulso orçamental ficou-se timidamente nos cerca de 1,6% do PIB na zona euro, sendo de 3,2% no Reino Unido e de 4,2% nos EUA. As perdas na produção causadas pela crise foram nitidamente mais fortes na zona euro do que nos Estados Unidos. Na zona euro, a agudização dos défices precedeu portanto qualquer política activa, comprometendo os seus resultados.
Simultaneamente, a Comissão Europeia continuou a aprovar procedimentos contra os países em défice excessivo, a ponto de em meados de 2010 praticamente todos os Estados membros da zona euro estarem sujeitos a esses procedimentos. A Comissão obrigou então os Estados membros da zona euro a regressar, até 2013 e 2014, a valores percentuais de défice inferiores a 3%, independentemente da evolução económica que pudesse verificar-se. As instâncias europeias continuaram portanto a exigir políticas salariais restritivas e a regressão sistemática dos sistemas públicos de reforma e de saúde, com o risco evidente de mergulhar o continente na depressão e de suscitar tensões entre os diferentes países. Esta ausência de coordenação e, fundamentalmente, de um verdadeiro orçamento europeu, capazes de suportar uma solidariedade efectiva entre os Estados membros, incitaram os agentes financeiros a afastar-se do euro, preferindo especular abertamente contra ele.
Para que o euro possa proteger realmente os cidadãos europeus da crise, colocamos em debate três medidas:
Medida n.º 18: Assegurar uma verdadeira coordenação das políticas macroeconómicas e uma redução concertada dos desequilíbrios comerciais entre os países europeus;
Medida n.º 19: Compensar os desequilíbrios da balança de pagamentos na Europa através de um Banco de Pagamentos (que organize os empréstimos entre países europeus);
Medida n.º 20: Se a crise do euro conduzir à sua desintegração, e enquanto se aguarda pelo surgimento de um orçamento europeu (cf. infra), instituir um regime monetário intra-europeu (com moeda comum do tipo “bancor”), que seja capaz de reorganizar a absorção dos desequilíbrios entre balanças comerciais no seio da Europa.
Falsa evidência n.º 10:
A CRISE GREGA PERIMITIU FINALMENTE AVANÇAR PARA UM GOVERNO ECONÓMICO E UMA VERDADEIRA SOLIDARIEDADE EUROPEIA
A partir de meados de 2009 os mercados financeiros começaram a especular com as dívidas dos países europeus. Globalmente, a forte subida das dívidas e dos défices públicos à escala mundial não provocou (pelo menos ainda) uma subida das taxas de juro de longo prazo: os operadores financeiros estimam que os bancos centrais manterão, por muito tempo, as taxas de juro reais a um nível próximo do zero, e que não existe um risco de inflação nem de incumprimento de pagamento por parte de um grande país. Mas os especuladores aperceberam-se das falhas de organização da zona euro. Enquanto que os governantes de outros países desenvolvidos podem sempre financiar-se junto do seu Banco Central, os países da zona euro renunciaram a essa possibilidade, passando a depender totalmente dos mercados para financiar os seus défices. Num só golpe, a especulação abateu-se sobre os países mais frágeis da zona euro: Grécia, Espanha, Irlanda.
As instâncias europeias e os governos demoraram a reagir, não querendo dar a ideia de que os países membros tinham direito a dispor de um apoio ilimitado dos seus parceiros, e pretendendo, ao mesmo tempo, sancionar a Grécia, culpada por ter mascarado – com a ajuda da Goldman Sachs – a amplitude dos seus défices. Porém, em Maio de 2010, o BCE e os países membros foram forçados a criar com urgência um Fundo de Estabilização, capaz de indicar aos mercados que seria dado um apoio sem limites aos países ameaçados. Em contrapartida, estes deveriam anunciar programas de austeridade orçamental sem precedentes, que os condenam a um recuo da actividade económica no curto prazo e a um longo período de recessão. Sob pressão do FMI e da Comissão Europeia, a Grécia é forçada a privatizar os seus serviços públicos e a Espanha obrigada a flexibilizar o seu mercado de trabalho. E mesmo a França e a Alemanha, que não são vítimas do ataque especulativo, anunciaram medidas restritivas.
Contudo, globalmente, a oferta não é de nenhum modo excessiva na Europa. A situação das finanças públicas é melhor do que a dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha, deixando margens de manobra orçamental. É por isso necessário reabsorver os desequilíbrios de forma coordenada: os países excedentários do Norte e do centro da Europa devem encetar políticas expansionistas (com o aumento dos salários e das prestações sociais), tendo em vista compensar as políticas restritivas dos países do Sul. Globalmente, a política orçamental não deve ser restritiva na zona euro, tanto mais que a economia europeia não se aproxima do pleno emprego a uma velocidade satisfatória.
Mas, infelizmente, os defensores das políticas orçamentais automáticas e restritivas encontram-se hoje em posição reforçada na Europa. A crise grega fez esquecer as origens da crise financeira. Aqueles que aceitaram apoiar financeiramente os países do Sul querem impor, em contrapartida, um endurecimento do Pacto de Estabilidade. A Comissão e a Alemanha pretendem obrigar todos os países membros a inscrever o objectivo de equilíbrio orçamental nas suas constituições e vigiar as suas políticas orçamentais por comissões de peritos independentes. A Comissão quer impor aos países uma longa cura de austeridade para que se regresse a uma dívida pública inferior a 60% do PIB. Se existe algum avanço em matéria de governo económico europeu, é um avanço em direcção a um governo que, em vez de libertar o garrote das finanças, pretende impor a austeridade e aprofundar as “reformas” estruturais, em detrimento das solidariedades sociais em cada país e entre os diversos países.
A crise oferece de mão beijada, às elites financeiras e aos tecnocratas europeus, a tentação de pôr em prática a “estratégia do choque”, tirando proveito da crise para radicalizar a agenda neoliberal. Mas esta política tem poucas hipóteses de sucesso, uma vez que:
● A diminuição das despesas públicas comprometerá o esforço necessário, à escala europeia, para assegurar despesas futuras (investigação, educação, prestações familiares), apoiar a manutenção da indústria europeia e para investir nos sectores do futuro (economia verde);
● A crise permitirá impor reduções drásticas nas despesas sociais, objectivo incansavelmente perseguido pelos paladinos do neoliberalismo, comprometendo perigosamente a coesão social, reduzindo a procura efectiva, empurrando as famílias a poupar para as suas reformas e a sua saúde junto das instituições financeiras, responsáveis pela crise;
● Os governos e as instâncias europeias recusam-se a estruturar a harmonização fiscal, que permitiria um necessário aumento de impostos sobre o sector financeiro, sobre o património e sobre os altos rendimentos;
● Os países europeus terão de implementar, por um longo período, políticas orçamentais restritivas que vão afectar fortemente o crescimento. As receitas fiscais diminuirão e os saldos públicos apenas registarão ligeiras melhoras. Os rácios de dívida irão degradar-se e os mercados não ficarão tranquilos;
● Face à diversidade de culturas políticas e sociais, nem todos os países europeus se poderão ajustar à disciplina de ferro imposta pelo Tratado de Maastricht; nem se ajustarão ao seu reforço, que actualmente se prepara. O risco de activação de uma dinâmica generalizada de recusa deste reforço é real.
Para avançar no sentido de um verdadeiro governo económico e de uma verdadeira solidariedade europeia, propomos para discussão duas medidas:
Medida n.º 21: Desenvolver uma verdadeira fiscalidade europeia (taxa de carbono, imposto sobre os lucros, etc.) e um verdadeiro orçamento europeu, que favoreçam a convergência das economias para uma maior equidade nas condições de acesso aos serviços públicos e serviços sociais nos diferentes Estados membros, com base nas melhores experiências e modelos;
Medida n.º 22: Lançar um vasto plano europeu, financiado por subscrição pública a taxas de juro reduzidas mas com garantia, e/ou através da emissão monetária do BCE, tendo em vista encetar a reconversão ecológica da economia europeia.
Conclusão
DEBATER A POLÍTICA ECONÓMICA, TRAÇAR CAMINHOS PARA REFUNDAR A UNIÃO EUROPEIA
A Europa foi construída, durante três décadas, a partir de uma base tecnocrática que excluiu as populações do debate de política económica. A doutrina neoliberal, que assenta na hipótese, hoje indefensável, da eficiência dos mercados financeiros, deve ser abandonada. É necessário abrir o espaço das políticas possíveis e colocar em debate propostas alternativas e coerentes, capazes de limitar o poder financeiro e preparar a harmonização, no quadro do progresso dos sistemas económicos e sociais europeus. O que supõe a partilha mútua de importantes recursos orçamentais, obtidos através do desenvolvimento de uma fiscalidade europeia fortemente redistributiva. Tal como é necessário libertar os Estados do cerco dos mercados financeiros. Somente desta forma o projecto de construção europeia poderá encontrar uma legitimidade popular e democrática de que hoje carece.
Não é evidentemente realista supor que os 27 países europeus decidam, ao mesmo tempo, encetar uma tamanha ruptura face ao método e aos objectivos da construção europeia. A Comunidade Económica Europeia (CEE) começou com seis países: do mesmo modo, a refundação da União Europeia passará inicialmente por um acordo entre alguns países que desejem explorar caminhos alternativos. À medida que se tornem evidentes as consequências desastrosas das políticas actualmente adoptadas, o debate sobre as alternativas crescerá por toda a Europa. As lutas sociais e as mudanças políticas surgirão a ritmos diferentes, consoante os países. Os governos nacionais tomarão decisões inovadoras. Os que assim o desejem deverão adoptar formas de cooperação reforçadas para tomar medidas audazes em matéria de regulação financeira, de política fiscal e de política social. Através de propostas concretas, estenderemos as mãos aos outros povos para que se juntem a este movimento.
É por isso que nos parece importante esboçar e debater, neste momento, as grandes linhas das políticas económicas alternativas, que tornarão possível esta refundação da construção europeia.


[1] N.T.: Imitar os outros, perdendo todo o sentido crítico.