sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Para o buraco

Daniel Oliveira
Expresso (2 de Outubro 2010)

Na televisão, economistas e comentadores dividiam-se: será isto suficiente ou devia ser mais? Já devia ter sido há mais tempo ou agora é o tempo certo? Naquela quarta-feira, como em quase todos os dias, os oráculos na nação medinacarreiraram o país, ainda atordoado com a paulada. A tese da inevitabilidade tem de passar. Mas há outras opiniões. E há outros economistas. Até com currículos académicos um pouco mais recheados e culpas políticas menos evidentes. Alguns, muito poucos, ainda são tolerados na Academia portuguesa, tomada pelo dogmatismo ideológico. Mas não chegam às televisões tomadas pelo dogmatismo ideológico. E não influenciam os políticos vergados ao dogmatismo ideológico. A estratégia é simples: garantir que o desespero se cala perante a política de terra queimada sem contraditório. E resulta.
E, no entanto, os factos não enganam: a Irlanda, a mítica Irlanda que devia ser um exemplo a seguir, a corajosa Irlanda que começou a cortar os salários dos funcionários públicos e tudo mais que mexesse antes de todos os outros, está no buraco. É agora o quarto país do mundo com maior possibilidade de chegar à bancarrota. Tem um défice superior a trinta por cento. A Grécia, a desgraçada Grécia, que foi obrigada a seguir o caminho que agora nos receitam, está apenas a cavar o buraco onde já estava. E a maravilhosa Espanha viu a cotação da sua dívida cair por causa das perspetivas de baixo crescimento económico. Olhando para isto, Portugal atira-se para este abismo sem hesitar. Sem uma voz que explique que estamos a rebentar com a nossa economia por muitos anos. Sem um dedo que agora aponte para a Irlanda e para a Grécia.
Os funcionários públicos irão finalmente ser sacrificados para acalmar a fúria dos mercados financeiros. Mas não serão apenas eles. Serão os reformados, que verão as suas miseráveis pensões congeladas. Serão os consumidores ou as empresas, que terão de pagar aumento do IVA. Serão os mais pobres, que vão sentir mais um corte no rendimento mínimo (já vai no dobro do que o CDS pedia). Serão todos os contribuintes, que ficarão a pagar por muitos anos o fundo de pensões descapitalizado da PT. E será, acima de tudo, toda a economia. Menos dinheiro disponível. Mais crise sobre a crise. Empresas que fecharão. O desemprego que inevitavelmente irá aumentar. Menos receitas fiscais, mais despesas sociais. Maior risco de incumprimento no pagamento das dívidas particulares à banca. O filme é simples e todos o conhecem. Mas a propaganda tratou de anestesiar o país.
Tudo feito, diz-se, para garantir o financiamento da nossa economia. Financiamento que a banca nos garante pedindo emprestado ao BCE a um por cento, para depois nos voltar a emprestar a quase sete. Apenas porque a União inventou o crime prefeito: impede-se a si própria de ajudar diretamente os Estados-membros para dar a ganhar a quem se alimenta da nossa desgraça. Todos estes sacrifícios não são para melhorar as nossas vidas. São para alimentar mais uma vez os mesmos que já salvámos da sua própria ganância.
Medidas impopulares? Todos as têm tomado. Há quantos anos nos pedem sacrifícios? As difíceis, as que tocam nos interesses dos que empregam muitos dos economistas que nos explicam o caminho que devemos seguir, é que nunca vêm. Para essas sim, é que era preciso coragem. Aqui, na Irlanda, na Grécia e em toda a Europa.

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